Nas Cartas do Destino
Capítulo 1 – O que dizem os olhos
Vivian sempre se considerou uma pessoa racional. Sempre acreditou que os sentimentos podiam ser controlados e que, se fosse o caso, podia distanciar-se de qualquer situação que a fizesse sentir demais. Mas quando Luh entrou em sua vida, tudo mudou. Luh, com seu sorriso leve e olhos que pareciam ser feitos de luz, penetrava em seus pensamentos sem esforço. Era uma amiga. Só isso. Ou era? Mas como afastar o que o coração insiste em gritar?
Vivian, confusa, procurou respostas que sua mente não poderia oferecer. E foi então que se lembrou de Aline, a cartomante que muitos falavam ser capaz de ler as cartas e os corações de quem passava por sua porta.
Aquela tarde abafada de quinta-feira parecia o cenário perfeito para uma decisão. Vivian caminhou pelas ruas apertadas da cidade, sentindo os batimentos de seu coração acelerados e inquietos. Ela sabia que se fosse em busca de respostas sobre Luh, poderia acabar se deparando com algo que nem sequer imaginava: o seu próprio coração desvendado.
Quando chegou ao portão verde de madeira, um letreiro dourado brilhou suavemente à luz do fim da tarde. “Aline – Cartomante, Intuição & Destino” estava inscrito com uma caligrafia fluida. Ela hesitou por um instante antes de empurrar o portão e entrar.
O aroma de lavanda e sândalo envolveu-a assim que pisou no interior da sala. O ambiente era acolhedor, com velas acesas que dançavam suavemente, refletindo luz sobre os cristais dispostos ao redor da sala. Mas foi a mulher à mesa que capturou toda a sua atenção.
Aline.
Os cabelos de Aline estavam soltos em uma trança frouxa, e seus olhos castanho-âmbar brilhavam como se guardassem segredos em seu fundo profundo. Vivian sentiu um arrepio recorrer sua espinha quando seus olhares se cruzaram. Havia algo nela que parecia mais do que uma simples cartomante. Era como se Aline pudesse ver sua alma, além da superfície.
— Boa tarde — disse Aline, com uma voz suave, mas firme. — Você veio por amor, não é?
Vivian parou, surpresa. Como ela sabia?
— Sim… eu… estou perdida — respondeu Vivian, hesitante, tentando esconder o turbilhão que se formava em seu peito.
Aline sorriu levemente, seus olhos nunca deixando os de Vivian.
— O coração fala antes das palavras, minha querida. Pode se sentar.
O gesto simples de Aline era uma mistura de calma e serenidade, mas Vivian não podia evitar sentir um calor crescente em seu peito. Algo ali estava além de cartas e previsões. Algo que desafiava tudo o que ela conhecia.
Aline começou a embaralhar as cartas com uma destreza encantadora. As cartas caíam suavemente, como se estivessem se alinhando a algo maior, a um destino que Vivian ainda não entendia.
— O que as cartas dizem? — Vivian perguntou, sua voz quase um sussurro.
Aline olhou para ela com intensidade.
— Elas dizem que você veio em busca de uma resposta, mas talvez encontre algo diferente… Talvez a resposta que você procura esteja em você mesma.
Vivian ficou em silêncio, sentindo-se desconcertada. O que queria mesmo? Sabia que a resposta sobre Luh não estava ali, mas havia algo em Aline, um magnetismo, uma calma que a atraía sem explicação. E, sem querer, Vivian se viu desejando mais do que as respostas sobre Luh. O que ela realmente queria era entender Aline.
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Capítulo 2 – Entre cartas e segredos
Os encontros com Aline se tornaram mais frequentes. Vivian sentia uma crescente atração por ela, algo que não conseguia esconder. Cada consulta, cada palavra trocada, aprofundava a conexão que ambas pareciam compartilhar. Mas o que tornava tudo mais complicado era o fato de Vivian tentar se enganar, buscando sempre as respostas sobre Luh enquanto a atração por Aline crescia como uma chama silenciosa.
Aline, por sua vez, nunca pressentiu nenhum desconforto nas palavras de Vivian. Ela apenas a escutava, como se estivesse lendo não as palavras, mas as emoções que emergiam de Vivian. As cartas eram apenas um veículo para tocar o coração das pessoas, mas o que mais fascinava Aline era o que ela via nas pessoas — e, especialmente, em Vivian.
Certa noite, após uma consulta onde nada mais foi dito além de olhares carregados de uma emoção que ambas tentavam esconder, Aline deixou cair uma carta. Quando Vivian se abaixou para pegá-la, seus dedos se tocaram por um instante. A eletricidade que percorreu o corpo de Vivian fez seu estômago dar voltas, e ela sabia que estava em apuros.
— O que está acontecendo comigo, Aline? — perguntou Vivian, quase em desespero. — Não posso… não posso me sentir assim.
Aline sorriu com suavidade, mas havia uma dor no fundo de seus olhos. Ela sabia o que Vivian estava sentindo, mas também sabia o quanto isso as afastava da realidade.
— Você está com medo, Vivian. Medo do que está crescendo dentro de você. O que quer que eu faça? Posso te ajudar, mas você precisa ser honesta consigo mesma.
Vivian olhou para Aline, e naquele momento não havia mais como negar. Havia algo entre elas que transcendia o destino das cartas. Algo que podia destruir ou construir algo novo. Mas ela não sabia como lidar com isso.
Capítulo 3 – Sentimentos entrelaçados
Com o tempo, as consultas se tornaram menos sobre as cartas e mais sobre os sentimentos. Vivian começou a se dar conta de que sua atração por Aline não era apenas uma curiosidade — era desejo. Aline também parecia sentir o mesmo, mas sempre manteve uma distância, como se soubesse que cruzar aquela linha significaria algo irreversível.
Numa noite silenciosa, enquanto uma tempestade caía lá fora, Aline finalmente quebrou o silêncio.
— Eu sei o que você está sentindo, Vivian. Não é só você que está lutando contra isso. Eu também. E é por isso que preciso que você escolha. Se você não quiser mais, posso ir embora, deixar tudo isso para trás. Mas, se escolher seguir adiante, vamos precisar ser verdadeiras uma com a outra.
Vivian não sabia o que fazer. Seu coração estava dividido, mas havia uma chama em seu peito que não poderia mais ser apagada. Então, finalmente, ela se aproximou de Aline, seus lábios tremendo antes de tocar os dela. O beijo foi suave no início, mas logo se transformou em algo mais intenso, mais urgente, como se ambas soubessem que a decisão já estava tomada.
Capítulo 4 – O aviso e o reflexo
Após o beijo, Vivian e Aline começaram a explorar sua conexão de forma silenciosa, quase como se estivessem vivendo um segredo só delas. O toque furtivo, o olhar trocado, os silêncios compartilhados se tornaram a base do que estava nascendo. Mas, apesar do desejo inegável, havia algo mais, algo que Aline não conseguia deixar de lado: o passado.
Numa tarde chuvosa, enquanto Vivian preparava chá para as duas, Aline finalmente tocou no que estava por vir. A voz de Aline, normalmente serena e cheia de confiança, estava agora tingida com uma sombra que Vivian não reconhecia.
— Há algo que preciso contar, Vivian. Algo do meu passado que… bem, que nos afetará de uma forma que não posso prever.
Vivian parou de mexer na xícara, seus olhos fixos em Aline, percebendo pela primeira vez a vulnerabilidade que ela escondia tão bem. O medo estava ali, nos olhos de Aline, algo que ela nunca havia mostrado.
— O que está acontecendo, Aline? — perguntou Vivian, a preocupação tomando conta de sua voz. — Você está me assustando.
Aline respirou fundo, como se estivesse se preparando para enfrentar uma tempestade interna. E talvez fosse isso. Ela sabia que o passado tinha o poder de destrui-las. Sabia que o homem que apareceu agora, no meio de tudo o que estava construindo, era mais do que uma lembrança. Era Rafael.
— Rafael… Ele está de volta — disse Aline, a voz tremendo levemente. — Ele foi meu amor antes de você. E ele tem um jeito de manipular as pessoas, de se infiltrar nas suas vidas de uma forma sutil, até que você não consiga mais ver onde ele começa e onde você termina. Ele… ele nunca aceitou que eu o deixasse.
Vivian sentiu um frio percorrrer sua espinha. O nome de Rafael tinha um peso. Ele não era só um ex-namorado, mas uma sombra que ameaçava qualquer possibilidade de felicidade que Aline pudesse ter. Aline sempre falara dele com um tom de cautela, mas nunca com tanto medo.
— O que ele quer? — perguntou Vivian, já imaginando que a resposta não seria simples.
— Ele quer me destruir. Ele quer destruir nós duas — Aline respondeu, os olhos escurecendo. — Ele tem um poder sobre mim que eu não sei como controlar, e ele vai usar isso para nos separar, para me destruir.
Vivian não sabia como reagir. Ela tinha o desejo de abraçar Aline, de protegê-la, mas a ameaça de Rafael parecia maior do que qualquer sentimento que ela tivesse por Aline.
O olhar de Aline se suavizou quando ela percebeu o pânico nos olhos de Vivian. A cartomante sabia que, apesar de todo o medo que Rafael causava, havia algo mais importante que precisava ser feito.
— Não tenha medo, Vivian — disse Aline, com uma confiança renovada. — Vamos superar isso juntas. Mas você precisa estar preparada. Rafael não vai desistir.
Vivian, embora assustada, sentiu algo dentro de si despertar. Aline estava disposta a lutar por elas. E ela também estava.
Capítulo 5 – O confronto e a dor
As semanas seguintes foram um turbilhão de emoções. A presença de Rafael pairava como uma nuvem negra sobre elas. Ele começava a se infiltrar na vida de Aline de forma sutil, como ela havia previsto. Mensagens enigmáticas, telefonemas não atendidos e, por fim, encontros inesperados. Ele parecia aparecer sempre quando Vivian não estava por perto, o que aumentava ainda mais o desconforto e a tensão.
Em um daqueles encontros, Rafael se apresentou à porta de Aline com um sorriso gelado. Ela não o convidou para entrar, mas ele não precisava de permissão para estar lá. Ele já conhecia o caminho.
— Eu sabia que você não resistiria, Aline — ele disse, seus olhos frios fixos nela. — Eu sempre soube que, no fundo, você ainda me queria.
Aline, de pé na porta, sentiu a pressão crescer dentro de si. Ela sabia o que Rafael podia fazer. Sabia como ele conseguia manipular as pessoas, como conseguia envenenar seus corações com palavras doces e promessas vazias.
— Você não pode mais me controlar, Rafael. Não vai mais me destruir — ela respondeu, tentando manter a firmeza em sua voz, mas sentindo que ele a estava forçando a reviver algo que ela preferia deixar para trás.
— Ah, mas você se esqueceu, Aline. Você nunca me deixou de verdade — ele disse, se aproximando de forma ameaçadora. — Eu sei o que você tem, sei o que você quer. E vou tirar isso de você. A vida que você tenta construir, o amor que você tenta ter, tudo isso vai desaparecer, como sempre desapareceu.
Vivian, que havia se aproximado sem ser vista, não suportou mais. Ela não podia permitir que Aline ficasse sozinha naquela situação. Correndo até a porta, ela se posicionou entre Aline e Rafael, enfrentando-o com uma coragem que mal sabia que possuía.
— Você não vai fazer nada. Ela não está sozinha — Vivian disse, com a voz firme, ainda que seu corpo tremesse.
Rafael olhou para ela com um sorriso maligno. Mas, naquele momento, algo aconteceu. Aline, ao lado de Vivian, se sentiu mais forte. Ela não estava mais sozinha. Vivian estava com ela. Juntas, elas poderiam enfrentar qualquer coisa.
Rafael, percebendo que não tinha mais o controle sobre Aline, simplesmente virou-se e saiu, sem palavras, como uma tempestade que passava sem deixar vestígios.
Capítulo 6 – O renascimento
O confronto com Rafael foi um divisor de águas para Vivian e Aline. O medo que as consumia nas semanas anteriores deu lugar a algo mais forte. Algo renovador. Elas haviam enfrentado a tempestade e saído vitoriosas, mas o preço pago ainda estava presente. O passado de Aline, assim como os fantasmas que Rafael trouxe, não poderia ser apagado com um simples gesto.
Porém, naquele momento, o amor entre Vivian e Aline parecia mais firme do que nunca. Elas estavam prontas para construir algo que fosse delas, sem o peso do passado.
Aline, que antes hesitava em se entregar totalmente a Vivian, agora estava disposta a arriscar tudo. Ela sabia que não havia mais espaço para o medo. Juntas, elas poderiam vencer qualquer coisa. O futuro, agora, parecia promissor.
Epílogo – O legado da escolha
Anos se passaram, e a vida de Vivian e Aline floresceu. Elas estavam juntas, não apenas como amantes, mas como parceiras espirituais, compartilhando uma jornada de crescimento e autodescoberta. Aline, agora uma mulher livre, havia finalmente deixado para trás o peso de Rafael e de todas as sombras que ele trouxe.
Vivian e Aline abriram juntas uma loja de artigos esotéricos, onde também realizavam leituras de cartas. Elas se tornaram conhecidas pela sinceridade e pela habilidade de guiar as pessoas para a verdade de seus corações.
O passado de Aline e os desafios que elas enfrentaram se tornaram histórias contadas ao redor de uma mesa de chá, como lições sobre a importância de se manter fiel ao que se acredita e ao que se ama. Vivian e Aline, agora mais fortes do que nunca, sabiam que o futuro ainda tinha muito a oferecer, mas que, enquanto estivessem juntas, nada poderia separá-las.
O destino que uma vez as havia unido nas cartas agora era apenas o reflexo de uma vida que elas construíram com coragem, amor e, principalmente, confiança.
Marta Marinho.
https://youtu.be/UIEYMn7HoOI?si=LJ2Qk_ojwKX4Q7t9