Entre a Fé e o Amor – Parte 1
O sol da manhã atravessava os vitrais da pequena igreja, projetando cores no chão de pedra. Fátima ajoelhava-se, como fazia todos os dias, em frente ao altar de Nossa Senhora. Seus lábios murmuravam preces, mas seu coração estava inquieto. Desde que conhecera Padre Victor, nada mais era como antes.
Ele surgiu na paróquia há cerca de três meses, vindo de outra cidade. Jovem, de sorriso sereno e olhar acolhedor, rapidamente conquistou a comunidade. Mas foi no coração de Fátima que ele acendeu algo mais forte.
— “Bom dia, Fátima.” — a voz dele soou atrás dela, suave, porém firme.
Ela se levantou apressadamente, ajeitando o véu branco que cobria seus cabelos.
— “Bom dia, padre.” — respondeu, tentando disfarçar o rubor que tomava seu rosto.
Os dois trocaram olhares por um instante que pareceu eterno. Victor desviou, pigarreou, e prosseguiu:
— “Preciso de ajuda na organização da catequese. Você poderia me auxiliar?”
— “Claro, padre. Será um prazer.” — sorriu, tentando soar natural.
Os dias seguintes foram de trabalho conjunto. Arrumavam livros, preparavam o salão, organizavam os encontros. A cada conversa, Fátima descobria mais sobre aquele homem que, apesar de carregar a batina, transbordava humanidade.
Certa tarde, enquanto colavam cartazes na parede, seus dedos se tocaram. Um choque percorreu ambos, que se entreolharam, surpresos e assustados. Nenhum deles falou sobre aquilo, mas desde então, tudo mudou.
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Parte 2 – O Conflito
No silêncio do convento, Fátima chorava em sua cela. Ajoelhada, segurava um terço com tanta força que seus dedos tremiam.
— “Meu Deus… por que colocaste esse sentimento em meu coração? Eu só queria te servir… só queria te amar acima de tudo. Mas... por que sinto isso?” — suas palavras se perdiam no vazio do quarto.
Do outro lado, Padre Victor também lutava contra seus próprios pensamentos. Diante do crucifixo, apertava os olhos, buscando uma resposta que não vinha.
— “Senhor… eu sou teu servo. Fiz votos, entreguei minha vida… então por que meu coração dispara quando vejo Fátima? É pecado, Senhor? Ou é amor?”
Os dias seguintes foram de silêncio entre eles. Ambos tentaram se afastar, evitar olhares, não mais buscar motivos para estarem juntos. Mas o destino parecia querer o contrário.
Certa noite, após a missa, Fátima estava sozinha na sacristia, organizando os cálices, quando Victor entrou.
— “Fátima...” — sua voz saiu rouca.
Ela se virou, assustada, e, ao vê-lo tão perto, seus olhos se encheram de lágrimas.
— “Eu... eu não posso mais, padre. Isso está errado...”
Ele se aproximou, segurando suas mãos trêmulas.
— “Por favor... me chama de Victor. Só... Victor.”
O silêncio que se seguiu foi quebrado apenas pela respiração ofegante dos dois. Até que, tomado pela coragem ou pela fraqueza do momento, Victor deslizou a mão pelo rosto dela e sussurrou:
— “Me perdoa... mas eu não consigo mais esconder o que sinto.”
E, sem mais resistir, seus lábios se encontraram. Foi um beijo carregado de urgência, de medo, de desejo e de culpa. Quando se separaram, ambos tremiam.
— “Isso é um pecado... ou é amor, Victor?” — Fátima perguntou, com a voz embargada.
Ele respirou fundo, olhando nos olhos dela.
— “Talvez... seja os dois.”
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Parte 3 – A Escolha
Naquela noite, os dois sabiam que não podiam mais ignorar o que sentiam. Sentaram-se no banco da capela, de mãos dadas, e falaram sobre tudo. Sobre a vida, os sonhos, a fé e o amor.
Victor revelou que já carregava dúvidas em seu coração. Que, mesmo antes de conhecer Fátima, às vezes se perguntava se a vida celibatária realmente era o caminho que Deus queria para ele. E agora, com ela, tudo fazia menos sentido.
— “Fátima... eu te amo. E não sei se consigo seguir fingindo que não sinto isso.” — disse, com lágrimas nos olhos.
— “E eu... eu te amo, Victor. Mas tenho tanto medo. Medo de decepcionar minha família, de desonrar a igreja, de não estar fazendo a vontade de Deus.”
Ele segurou seu rosto, olhando-a com ternura.
— “Talvez... amar seja também uma forma de servir a Deus. De viver o amor que Ele nos ensinou.”
Na semana seguinte, os dois tomaram uma decisão. Procuraram o bispo da diocese. A conversa foi difícil, tensa, cheia de julgamentos, olhares duros e palavras pesadas. Mas também houve compreensão. Afinal, a Igreja é feita de homens — e homens são falhos, humanos, feitos de carne, alma e coração.
Victor deixou a batina. Fátima, o convento. E juntos, decidiram construir uma nova vida, baseada na fé, no amor e na esperança.
Quando se casaram, na mesma igreja onde se conheceram, as lágrimas não foram de tristeza, mas de emoção. Muitos fiéis estavam lá, aplaudindo, sorrindo. Porque, no fim, todos entenderam que o amor — o verdadeiro amor — também é sagrado.
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